O Despertar de Eurípedes para a Doutrina Espírita

(1903-1905)
O período de transformação espiritual que redefiniu a trajetória de Eurípedes Barsanulfo

Introdução

O período entre 1903 e 1905 representa um divisor de águas na vida de Eurípedes Barsanulfo. Foram anos de profunda transformação espiritual, marcados pelo encontro com a Doutrina Espírita, que redirecionariam completamente sua trajetória pessoal e seu papel na sociedade de Sacramento.

Aos 23 anos, Eurípedes já era uma figura respeitada em Sacramento: vereador, educador, co-fundador e redator da "Gazeta de Sacramento", secretário da Irmandade de São Vicente de Paulo e diretor do Liceu Sacramentano. Católico fervoroso, era considerado um dos jovens mais promissores da região e tinha conquistado a admiração da comunidade por sua retidão moral e inteligência.

No entanto, o destino reservava-lhe um caminho diferente. O encontro com o Espiritismo não apenas transformaria suas crenças pessoais, mas também iniciaria uma nova fase em sua missão educacional e assistencial, com repercussões que se estenderiam muito além dos limites de Sacramento.

A Jornada do Despertar

1903
1903
Primeiros Contatos com o Espiritismo
Em 1903, Eurípedes começou a ouvir relatos sobre fenômenos espíritas ocorridos na Fazenda Santa Maria, propriedade localizada a aproximadamente 12 quilômetros de Sacramento. O tio de Eurípedes, Mariano da Cunha (conhecido como "Sinhô Mariano"), havia fundado ali, em 28 de agosto de 1900, o Centro Espírita "Fé e Amor", um dos primeiros núcleos de estudo e prática da Doutrina Espírita na região.

Mariano da Cunha fazia visitas periódicas a Sacramento e hospedava-se na casa da irmã, mãe de Eurípedes. Essas visitas eram momentos de alegria para o jovem, que tinha grande afeição pelo tio, a ponto de pedir à mãe que arrumasse sua cama no mesmo quarto do hóspede, apesar de geralmente preferir ter seu aposento separado.

Durante essas visitas, Eurípedes mantinha intensas discussões sobre a Doutrina Espírita, que estava ganhando adeptos em Santa Maria. Como católico devoto, ele não compreendia como pessoas que considerava honestas e equilibradas, como seu tio, se dedicavam à difusão do que ele então chamava de "doutrina do demônio".

As discussões entre tio e sobrinho se repetiam frequentemente, em um conflito fraterno que às vezes durava noites inteiras. Eurípedes, formado na tradição católica, aspirava convencer o tio do erro daquelas ideias, enquanto Mariano, com paciência, ouvia os argumentos do sobrinho e respondia com sua experiência pessoal sobre o Espiritismo.
1903
1903
O Encontro com "Depois da Morte"
O ponto de inflexão começou quando, durante uma visita de Mariano da Cunha à residência de Eurípedes, ocorreu um diálogo decisivo. Eurípedes questionou, como de costume: "Como é, tio Sinhô, as sessões continuam?". Nesta ocasião, o tio entregou-lhe um livro, dizendo: "O que não posso explicar a você, este livro vai fazer, em parte por mim".
"Aos nobres e grandes Espíritos que me revelaram o mistério augusto do destino, a lei do progresso na imortalidade, cujos ensinos consolidaram em mim o sentimento da justiça, o amor da sabedoria, o culto do dever, cujas vozes dissiparam as minhas dúvidas, apaziguaram as minhas inquietações; às almas generosas que me sustentaram na luta; consolaram na prova, e elevaram meu pensamento até as alturas luminosas em que se assenta a Verdade, eu dedico estas páginas."

Léon Denis, Dedicatória de "Depois da Morte"

Ao ler esta dedicatória, Eurípedes exclamou: "Isto é muito bonito e profundo". Naquela noite, consumido pelo interesse, Eurípedes dedicou-se integralmente à leitura da obra. Ao amanhecer, profundamente tocado pelo conteúdo, afirmou ao tio: "Muito obrigado, meu tio! Isto é um monumento. Jamais vi alguém cantar as glórias da Criação com tamanha profundidade e beleza."

O livro "Depois da Morte", de Léon Denis, publicado originalmente na França em 1890, é uma obra fundamental do Espiritismo que aborda questões como a sobrevivência da alma, a reencarnação, a lei de causa e efeito, a comunicação com os espíritos e outros princípios da Doutrina Espírita. Discípulo e continuador de Allan Kardec, Denis apresentava os conceitos espíritas com uma abordagem filosófica profunda e estilo literário eloquente, o que certamente impactou a sensibilidade intelectual de Eurípedes.
1903-1904
1903-1904
Questionamentos e Investigações
Após a leitura de "Depois da Morte", Eurípedes sentiu necessidade de esclarecer algumas dúvidas sobre os dogmas católicos. Procurou então o Padre Augusto, vigário de Sacramento e seu amigo pessoal, a quem apresentou questionamentos sobre pontos doutrinários da Igreja.

Entre as questões levantadas por Eurípedes estavam temas como a origem da alma, a salvação exclusiva dentro da Igreja, a existência do inferno eterno, e a justiça divina diante das desigualdades humanas. As respostas baseadas exclusivamente na fé e na aceitação da autoridade eclesiástica não satisfizeram a mente investigativa de Eurípedes, que buscava compreensão racional para questões existenciais profundas.

Paralelamente, Eurípedes começou a frequentar discretamente o Centro Espírita "Fé e Amor" na Fazenda Santa Maria. As primeiras visitas ocorreram com reserva, uma vez que sua posição social e religiosa em Sacramento poderia ser comprometida caso se tornasse público seu interesse pelo Espiritismo.

Nessas visitas iniciais, Eurípedes observou os trabalhos mediúnicos, as leituras e estudos das obras de Allan Kardec, e as atividades de assistência espiritual. Sua mente inquiridora e seu desejo de compreender profundamente os fundamentos da existência o impulsionavam na busca por respostas que o catolicismo tradicional não havia fornecido à sua satisfação.
1º Abril 1904
1º Abril 1904
A Sessão Mediúnica Decisiva em Santa Maria
O Momento Transformador

Na Sexta-feira da Paixão, 1º de abril de 1904, ocorreu o evento mais significativo na trajetória espiritual de Eurípedes Barsanulfo. Neste dia, ele compareceu a uma sessão mediúnica especial no Centro Espírita "Fé e Amor", na Fazenda Santa Maria, onde seria realizado um estudo sobre as Bem-aventuranças do Evangelho.

Eurípedes, embora ainda não plenamente convencido sobre a realidade das comunicações espirituais, decidiu fazer um teste decisivo. Mentalmente, sem verbalizar, elaborou um desafio ao mundo espiritual: se o Espiritismo realmente tivesse "fundamentação real", ele solicitava que o espírito de João Evangelista se manifestasse através do médium Aristides e lhe explicasse o significado das Bem-aventuranças, um tema que ele reconhecia não compreender completamente.
"Tudo compreendi na Bíblia. Mas o meu entendimento está fechado para as Bem-aventuranças. Se é verdade que os Espíritos se comunicam com os vivos, rogo a João Evangelista, elucide-me pelo médium Aristides."

Eurípedes Barsanulfo, pensamento durante a sessão espírita em Santa Maria

Para sua surpresa e profunda comoção, durante a sessão, o médium Aristides entrou em transe e começou a transmitir uma comunicação que se identificou como sendo do espírito de João Evangelista. O conteúdo da mensagem abordou precisamente as Bem-aventuranças, oferecendo uma interpretação profunda e esclarecedora que respondia exatamente ao questionamento mental de Eurípedes.

Esta experiência foi um momento decisivo para Eurípedes, pois sua pergunta, feita apenas em pensamento e sem conhecimento de nenhum dos presentes, havia sido respondida de forma direta e profunda. A explicação detalhada das Bem-aventuranças dada pelo espírito comunicante ampliou sua compreensão e dissipou suas dúvidas sobre a autenticidade dos fenômenos mediúnicos.

Em seguida à comunicação de João Evangelista, manifestou-se o espírito de Bezerra de Menezes, que saudou Eurípedes com grande afeto, chamando-o de "irmão" e anunciando que seu guia espiritual em breve se manifestaria para lhe dar importantes orientações.

Ao final desta sessão memorável, Eurípedes estava profundamente transformado. Os fenômenos testemunhados, especialmente a resposta ao seu desafio mental, tiveram um impacto determinante em suas convicções. Ele retornou a Sacramento, nas palavras de Corina Novelino, "de alma renovada", sentindo-se "definitivamente espiritista"
Abril 1904
Abril 1904
O Retorno a Santa Maria e as Revelações de Vicente de Paulo
Após a experiência transformadora na sessão de 1º de abril, Eurípedes retornou pouco tempo depois ao Centro Espírita "Fé e Amor" para participar de novos trabalhos. Foi neste retorno que ocorreu outro evento marcante: a manifestação do espírito de Vicente de Paulo, que se revelou como seu guia espiritual.
"Abandone, sem pesar e sem mágoa, o seu cargo na congregação. Convido-o a criar outra instituição, cuja base será Cristo e cujo diretor espiritual serei eu e você, o comandante material. Afaste-se de vez da Igreja."

Vicente de Paulo, na comunicação a Eurípedes Barsanulfo

Esta comunicação trouxe uma revelação emocionante para Eurípedes: Vicente de Paulo, conhecido na história por sua dedicação aos pobres e fundador da Congregação da Missão, era seu guia espiritual desde o berço. Esta informação possuía um significado especial para Eurípedes, que já era secretário da Irmandade de São Vicente de Paulo em Sacramento, sem imaginar a conexão espiritual que o ligava ao patrono da instituição.

Durante esta manifestação, Vicente de Paulo transmitiu orientações específicas e proféticas sobre a mudança que Eurípedes deveria fazer em sua vida, preparando-o para os desafios que encontraria ao assumir publicamente sua nova fé espírita:
"Quando você ouvir o espoucar dos fogos, o repicar dos sinos ou o som das músicas sacras, não se sinta magoado, nem saudoso, porque o Senhor nos oferece um campo mais amplo de serviço e nos conclama à ação dinamizadora do Amor."

Vicente de Paulo, na comunicação a Eurípedes Barsanulfo

Com notável antecipação dos desafios que Eurípedes enfrentaria, o mentor espiritual o alertou sobre as dificuldades sociais que surgiriam em Sacramento quando ele assumisse publicamente sua conversão ao Espiritismo:
"Meu filho, as portas de Sacramento vão fechar-se para você. Os amigos afastar-se-ão. A própria família revoltar-se-á. Mas não se importe. Proclame sempre a Verdade, porque, a partir desta hora, as responsabilidades de seu Espírito se ampliaram ilimitadamente."

Vicente de Paulo, na comunicação a Eurípedes Barsanulfo

"Você atravessará a rua da amargura, com os amigos a ridicularizarem uma atitude que não podem compreender."

Vicente de Paulo, na comunicação a Eurípedes Barsanulfo

Estas orientações e advertências proféticas prepararam Eurípedes para o caminho difícil que teria pela frente, mas também o fortaleceram na convicção de estar seguindo o rumo correto em sua jornada espiritual. As palavras de Vicente de Paulo anunciavam não apenas dificuldades, mas também um propósito maior, uma missão que transcenderia as limitações da vida em Sacramento.
Maio 1904
Maio 1904
Renúncia à Irmandade de São Vicente de Paulo
Seguindo as orientações de seu mentor espiritual, e fiel às suas novas convicções, Eurípedes enviou uma carta à Irmandade de São Vicente de Paulo, renunciando ao cargo de secretário que ocupava naquela instituição católica. O documento, redigido em termos respeitosos mas firmes, explicava que sua decisão baseava-se na impossibilidade de continuar a professar uma fé que já não correspondia às suas convicções íntimas.

Esta decisão causou grande comoção em Sacramento. A renúncia de uma figura tão respeitada como Eurípedes a um cargo de prestígio na principal irmandade católica da cidade, seguida da declaração pública de sua adesão ao Espiritismo, gerou repercussões imediatas na pequena comunidade conservadora.

Conforme previsto por Vicente de Paulo, muitos amigos se afastaram, alguns ridicularizando sua nova crença, outros simplesmente evitando sua companhia por temor às críticas sociais. Familiares expressaram preocupação e desaprovação, criando um ambiente de tensão e incompreensão em torno de Eurípedes.

Relatos da época indicam que muitos pais retiraram seus filhos do Liceu Sacramentano, pressões sociais foram exercidas sobre a família Barsanulfo, e até mesmo seu amigo pessoal, o Padre Augusto, teria sofrido um processo obsessivo após tentar convencê-lo a retornar ao catolicismo.
1904-1905
1904-1905
Desenvolvimento Mediúnico
Após assumir o Espiritismo, Eurípedes passou por um intenso período de desenvolvimento mediúnico. Suas faculdades, que já se manifestavam de forma latente desde a infância, floresceram sob a orientação do Centro Espírita "Fé e Amor" e através de seu próprio estudo das obras fundamentais do Espiritismo.

Começaram a se manifestar em Eurípedes fenômenos de vidência, psicografia, incorporação e, principalmente, mediunidade de cura, que se tornaria sua marca mais conhecida. Gradualmente, sua fama como médium curador começou a se espalhar pela região, atraindo doentes que buscavam alívio para seus sofrimentos.

Este período também foi marcado pelo desenvolvimento de suas afinidades espirituais com mentores como Bezerra de Menezes e Vicente de Paulo, que teriam se tornado seus guias espirituais nas atividades mediúnicas e assistenciais.
Janeiro 1905
Janeiro 1905
Fundação do Grupo Espírita Esperança e Caridade
Em 27 de janeiro de 1905, Eurípedes fundou o Grupo Espírita Esperança e Caridade em sua própria residência em Sacramento. A instalação formal contou com a presença de 84 pessoas, número considerável para uma primeira reunião espírita em uma cidade do interior naquela época.

Conforme relatado no periódico "O Reformador" de 1906: "Na cidade do Sacramento, e na residencia do nosso confrade Euripedes Barsanulpho, foi recentemente instalado o Grupo Espirita Esperança e Caridade, tendo comparecido ao acto 84 pessoas — assistencia que se pode considerar avultada, não só por se tratar de uma primeira instalação, como por occorrer ella em uma cidade do interior."

O Grupo Espírita tornou-se o núcleo a partir do qual se desenvolveria toda a obra assistencial e educacional de Eurípedes. Foi também neste contexto que ele deu início à Farmácia Espírita, onde preparava medicamentos homeopáticos e atendia gratuitamente a população necessitada.

O mesmo periódico ressalta: "Accresce que o alludido confrade iniciador d'essa fundação é, ao que sabemos, um espirita tão intelligente quão modesto e dedicado, e que á disposição dos enfermos e necessitados tem mantido, e agora com maioria de razão continuará a manter, uma pharmacia homœopathica, na qual — não percamos de assignalar — só no mez de agosto foram aviadas gratuitamente mais de 400 receitas."

A Confirmação das Mensagens de Vicente de Paulo

As profecias e advertências feitas por Vicente de Paulo durante a comunicação em Santa Maria logo se confirmaram na vida de Eurípedes. As dificuldades sociais, o afastamento de amigos, a incompreensão de familiares e o fechamento de portas em Sacramento ocorreram exatamente como previsto pelo mentor espiritual.

Particularmente doloroso foi o fechamento do Liceu Sacramentano em 1905, resultado direto das pressões sociais e religiosas que se seguiram à conversão de Eurípedes. Muitos pais, influenciados pelo clero local, retiraram seus filhos da escola, tornando inviável sua continuidade nos moldes anteriores.

No entanto, conforme também anunciado por Vicente de Paulo, estas dificuldades abriram caminho para uma atuação mais ampla e significativa. A perseguição e o isolamento social, em vez de desanimarem Eurípedes, fortaleceram sua convicção e o prepararam para a grande obra que ainda estava por vir.

A orientação de Vicente de Paulo para que Eurípedes criasse uma nova instituição, tendo Cristo como base e o próprio Vicente como diretor espiritual, materializou-se primeiro na fundação do Grupo Espírita Esperança e Caridade e, posteriormente, na criação do Colégio Allan Kardec em 1907, primeira escola espírita do Brasil, que integraria educação formal com os princípios da Doutrina Espírita.

O Movimento Espírita no Brasil do Início do Século XX

Para compreender plenamente o significado da conversão de Eurípedes ao Espiritismo, é essencial considerar o contexto do movimento espírita brasileiro no início do século XX.

Origens e Expansão

O Espiritismo chegou ao Brasil na segunda metade do século XIX, pouco depois de seu surgimento na França com Allan Kardec. As primeiras notícias sobre as "mesas girantes" foram publicadas no Jornal do Comércio em 1853. Em 1865, foi fundado em Salvador o primeiro grupo de estudos espíritas do país, liderado por Luís Olympio Telles de Menezes, e em 1869 foi publicado "O Eco de Além-Túmulo", primeiro jornal espírita brasileiro.

A Federação Espírita Brasileira (FEB) foi fundada em 1884, e a Revista Reformador começou a circular em 1887, trabalhando pela unificação e divulgação do movimento. Figuras como Bezerra de Menezes, presidente da FEB entre 1895 e 1900, tiveram papel fundamental na consolidação do Espiritismo no país.

Desafios e Resistências

No início do século XX, o Espiritismo enfrentava significativa oposição no Brasil. O Código Penal de 1890 criminalizava práticas espíritas em seus artigos 156, 157 e 158, enquadrando-as como charlatanismo, curanderismo e exercício ilegal da medicina. A Igreja Católica, dominante no cenário religioso brasileiro, considerava o Espiritismo uma heresia e combatia ativamente sua expansão.

No interior do país, como em Sacramento, o conservadorismo religioso era ainda mais acentuado, o que tornava a declaração pública de adesão ao Espiritismo um ato de considerável coragem e convicção.

Características Regionais

Em Minas Gerais, o movimento espírita se desenvolveu com características próprias. Iniciado por figuras como Frederico Peiró e Maximiliano Alonso em 1893, encontrou um terreno fértil principalmente no Triângulo Mineiro. A religiosidade intensa do povo mineiro, aliada a uma cultura que valorizava a educação e a assistência social, favoreceu a aceitação gradual do Espiritismo, especialmente quando apresentado em seus aspectos morais e práticos.

O trabalho de Eurípedes em Sacramento representava uma novidade na região: um centro espírita que aliava estudo doutrinário, assistência médica através da homeopatia e, posteriormente, educação formal com o Colégio Allan Kardec. Este modelo integrado de atuação influenciaria significativamente o desenvolvimento do Espiritismo não apenas em Minas Gerais, mas em todo o Brasil.

Consequências e Transformações

A conversão de Eurípedes ao Espiritismo desencadeou uma série de transformações significativas, tanto em sua vida pessoal quanto em sua atuação social:

Impacto Familiar

Inicialmente, a família de Eurípedes, tradicionalmente católica, recebeu com apreensão sua nova orientação religiosa. No entanto, sua convicção sincera e a coerência entre seus princípios e ações gradualmente influenciaram seus familiares. Sua mãe, Dona Meca, inicialmente resistente, acabou não apenas aceitando, mas também se convertendo ao Espiritismo, tornando-se posteriormente uma importante médium de cura. Vários de seus irmãos também aderiram à Doutrina Espírita e colaboraram em suas obras assistenciais e educacionais.

Fechamento do Liceu Sacramentano

As pressões sociais e religiosas que se seguiram à conversão de Eurípedes levaram ao fechamento do Liceu Sacramentano em 1905. Muitos pais, influenciados pelo clero local, retiraram seus filhos da escola. Este acontecimento, ainda que doloroso, abriu caminho para que Eurípedes repensasse sua abordagem educacional, o que culminaria, dois anos depois, na fundação do Colégio Allan Kardec, primeira instituição educacional espírita do Brasil.

Desenvolvimento da Farmácia Espírita

Após sua conversão, Eurípedes intensificou o trabalho de atendimento aos doentes através da Farmácia Espírita Esperança e Caridade. O volume de atendimentos cresceu significativamente, chegando a centenas de consultas diárias. Relatos da época mencionam curas consideradas impossíveis pela medicina convencional, o que contribuiu para estabelecer sua reputação como médium curador.

Redefinição de Propósito

Mais profundamente, a conversão ao Espiritismo redefiniu o propósito de vida de Eurípedes. O jovem brilhante que aspirava uma carreira política e talvez acadêmica redirecionou completamente suas energias para a educação, a assistência social e a divulgação da Doutrina Espírita, em uma dedicação que marcaria o restante de sua breve existência terrena.

Conclusão

O período de conversão de Eurípedes Barsanulfo ao Espiritismo (1903-1905) representa um momento decisivo não apenas em sua trajetória pessoal, mas também na história do Espiritismo brasileiro. As transformações ocorridas nestes anos prepararam o caminho para as realizações notáveis que se seguiriam, especialmente o Colégio Allan Kardec, fundado em 1907, que integraria de forma inovadora os princípios educacionais com os valores espíritas.

A experiência de 1º de abril de 1904 na Fazenda Santa Maria foi especialmente transformadora. A comunicação de João Evangelista em resposta ao desafio mental de Eurípedes e as posteriores orientações de Vicente de Paulo representaram o ponto culminante de um processo de busca espiritual que vinha se desenvolvendo desde seu contato inicial com a obra de Léon Denis.

A coragem de Eurípedes em assumir publicamente sua adesão ao Espiritismo, em um contexto de forte oposição religiosa e social, demonstra a solidez de suas convicções e a força de seu caráter. Mais que uma simples mudança de religião, sua conversão representou um realinhamento completo com o que ele entendia ser sua verdadeira missão no mundo.

As profecias feitas por Vicente de Paulo confirmaram-se integralmente, tanto nas dificuldades previstas quanto nas realizações anunciadas. Eurípedes enfrentou o afastamento de amigos, a incompreensão familiar e o fechamento de portas profissionais, mas não se deixou abater. Ao contrário, estas provações fortaleceram sua determinação e lhe permitiram construir uma obra educacional e assistencial inovadora, que marcaria profundamente a história do Espiritismo no Brasil.

Seu exemplo inspirou muitos contemporâneos e continua a influenciar gerações de espíritas e educadores, que encontram em sua trajetória um modelo de coragem, coerência e dedicação ao bem do próximo.

Referências Bibliográficas

  • NOVELINO, Corina. Eurípedes: O Homem e a Missão. IDE, Araras, 1979, capítulo 9 - "O Toque de Despertar".
  • DENIS, Léon. Depois da Morte. FEB, Rio de Janeiro, dedicatória.
  • NOVELINO, Corina. Eurípedes: O Homem e a Missão. IDE, Araras, 1979, capítulo 10.
  • FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. O Reformador, Ano 1906, Novembro, Edição 00021.
  • BIGHETO, Alessandro Cesar. Eurípedes Barsanulfo, um educador espírita na Primeira República. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, Campinas, 2006.
  • INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita: Um Projeto Brasileiro e Suas Raízes. Editora Comenius, São Paulo, 2004.
  • RIZZINI, Jorge. Eurípedes Barsanulfo: O Apóstolo da Caridade. Editora Correio Fraterno, São Paulo, 1979.

Curadoria e pesquisa por Saulo Amui

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